O mítico líder da Resistência maubere, Xanana (aliás José Alexandre Gusmão), nasceu no Verão de 1946 em Manatuto, Timor-Leste. Filho de um professor primário, foi criado no campo, juntamente com um irmão e cinco irmãs. Fez os estudos primários e parte do secundário numa missão católica, antes de partir para Díli, onde, ainda muito jovem, deu aulas na Escola Chinesa. Em Abril de 1974, começou a trabalhar na "Voz de Timor", ao mesmo tempo que aderia à FRETILIN, o que lhe valeu ocupar o posto de vice-presidente no Departamento de Informação.
Após a invasão indonésia (Dezembro de 1975), os quadros da FRETILIN foram sucessivamente dizimados. Em 1978, com a morte de Nicolau Lobato, Xanana herdou a liderança da Resistência, que urgia reorganizar. Três anos depois, teve lugar a primeira conferência nacional do movimento, que o elegeu como líder e comandante das FALINTIL (Forças Armadas para a Libertação Nacional de Timor-Leste).
Sob o comando de Xanana, a FRETILIN entabulou (em 1983) as primeiras conversações com o ocupante indonésio. Ao mesmo tempo, implementava aquilo que designou por Política de Unidade Nacional, uma estratégia que em linhas gerais pretendia incrementar os contactos com a Igreja Católica e desenvolver uma rede clandestina nas áreas urbanas e noutras regiões ocupadas.
Em virtude do sucesso desta política, Xanana criou, em 1988, o Conselho Nacional de Resistência Maubere.
Em Novembro de 1992, um ano após o massacre de Santa Cruz, Xanana foi capturado pelas forças indonésias e encarcerado em Jacarta, onde, segundo a Amnistia Internacional, passou os primeiros 17 dias de prisão incomunicável, sob custódia dos militares, que o submeteram à tortura do sono. Levado a tribunal, foi condenado a prisão perpétua, sentença mais tarde comutada para 20 anos.
Foi nestas circunstâncias, contudo, que Xanana se revelou um verdadeiro estadista. Em pleno tribunal, para surpresa dos indonésios, denunciou perante a Imprensa internacional o genocídio do povo maubere.
Atirado para a cadeia de Cipinang, Xanana continuou a elaborar a estratégia da Resistência, enquanto estudava inglês, bahasa (língua indonésia) e Direito. Durante o pouco tempo que lhe restava, pintava e escrevia poesia. Em 1994, foi publicada uma parte dos seus ensaios políticos _ "Timor-Leste, um Povo, uma Pátria".
Para o povo maubere, Xanana, mesmo na prisão, continuava a representar um símbolo da luta pela Paz, pela Justiça, pela Liberdade, sendo a verdadeira chave para uma solução política que permitisse acabar com o conflito.
A dedicação de Xanana à causa maubere despertou a atenção da Imprensa internacional, que o começou a tratar como o "Mandela de Timor".
O próprio Mandela, durante uma visita à Indonésia há dois anos, fez questão de visitar Xanana em Cipinang. Após a reunião, o presidente sul-africano considerou-o a "chave" para a resolução pacífica do conflito.
Em Abril de 1998, a Convenção Nacional da FRETILIN criou o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT), com Xanana a ser reconduzido como líder por aclamação dos delegados da Diáspora.
Um mês depois, Suharto demite-se e a campanha internacional para libertar Xanana conhece um novo fôlego. E no início de 1999, o presidente do CNRT abandona Cipinang e é colocado sob prisão domiciliária, tendo sido libertado na primeira semana de Setembro do mesmo ano para, rapidamente, procurar refúgio na Embaixada britânica em Jacarta.
Ainda em Setembro, depois de uma semana em Darwin, na Austrália, efectua uma viagem aos Estados Unidos da América e à Europa, onde foi recebido com honras de chefe de Estado.
A 23 de Outubro, já escolhido para receber o Prémio Sakharov, Xanana Gusmão regressa a Timor, onde é recebido em apoteose. E este ano, em Março, desloca-se a Portugal, Moçambique e Brasil, para contactos com os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). (in http://jn2.sapo.pt/biog/xanana/, 2000)
Em 1973, antes mesmo da Revolução dos Cravos, Xanana Gusmão já se destacava na literatura, chegando a receber o Prémio Revelação da Poesia Ultramarina. Contudo, foi a Guerra Civil Timorense, iniciada em 1975, que despertou em Gusmão a necessidade de expressar-se através da escrita. Entre 1977 e 1979, ele publicou dois livros: Pátria e Revolução (cujo título tornar-se-ia o lema da luta no país), e Guerra, Temática Fundamental do Nosso Tempo, no qual ensaia todas as características das chamadas Guerras Populares, descrevendo o papel de um líder carismático na condução de seu povo. (adaptado de Wikipédia)
Mar Meu
Mar Meu, de 1998, é uma colecção de poemas e pinturas produzidos no período de 1994 e 1996 por Xanana Gusmão, aquando da sua prisão em Cipinang.
1. Atente na capa do livro Mar Meu.
1.1. Relacione a sua apresentação com o título do livro.
1.2. Interprete a composição do título, com base na sonoridade conseguida.
2. Leia o excerto do prefácio incluído no livro Mar Meu, de Xanana Gusmão.
1.1. Relacione a sua apresentação com o título do livro.
1.2. Interprete a composição do título, com base na sonoridade conseguida.
2. Leia o excerto do prefácio incluído no livro Mar Meu, de Xanana Gusmão.
O VERSO E O UNIVERSO
Neste estilhaçar de tempo e mundo que lugar tem a solidariedade? Quanto nos pode ocupar a injustiça que ocorre distante quando, tantas vezes, fechamos os olhos àquela que tem lugar no nosso próprio lugar?
Timor parece erguer-se como prova contrária a estes sinais de decadência. Afinal, há alma para sustentar causas, erguer a voz, recusar alheamentos. Uma nação distante se reassume como nosso lar, nossa razão, nosso empenho. O sangue que se perde em Timor escorre de nossas próprias veias. As vidas que se perdem em Timor pesam sobre a nossa própria vida.
Foi assim que li os versos de Xanana. E naquelas páginas confirmei: pela mão de um homem se escreve Timor. Um livro de Xanana Gusmão não poderia ser apenas um livro. Por via da sua letra se supõe falar todo um povo, uma nação. Há ali não apenas poesia mas uma epopeia de um povo, um heroísmo que queremos partilhar, uma utopia que queremos que seja nossa. […]
Quando perguntaram a Ho Chi Minh[1] como ele, em regime prisional, tinha produzido tão belos poemas de amor, ele respondeu: “Desvalorizei as paredes”. A estratégia da poesia será, afinal, sempre essa: a de desqualificar o escuro.
Numa cela isolada, um homem escreve versos. Reclama o simples direito de ter um mar, um céu que, sem temor, embale Timor. Neste simples acto, este homem de aparência frágil desqualificou as paredes, convocou a nossa solidariedade e negou o isolamento.
De novo, o tempo se abraça ao mundo e, no espreitar do novo milénio, nos chega mais um pretexto para acreditarmos que a justiça se faz por construção nossa.
Afinal, um simples verso refaz o Universo.
Mia Couto, Maputo, 21-06-1998 (excerto)
Neste excerto reflecte-se sobre uma das formas de poder da palavra poética.
2.1. Refira a forma de poder que lhe é atribuída.
2.2. Explique, por palavras próprias, as frases dadas:
“pela mão de um homem se escreve Timor”
“este homem […] desqualificou as paredes...”
2.3. Explique a expressividade dos verbos utilizados na frase: “Reclama o simples direito de ter um mar, um céu que, sem temor, embale Timor”.
2.4. Relacione os dois últimos nomes sublinhados na frase anterior, quanto ao nível gráfico e de conteúdo.
2.5. Retire do excerto expressões relativas às atitudes de Xanana Gusmão para conseguir, através de “um simples verso”, refazer “o Universo”.
2.6. Comente a expressividade do título do excerto.
2.2. Explique, por palavras próprias, as frases dadas:
“pela mão de um homem se escreve Timor”
“este homem […] desqualificou as paredes...”
2.3. Explique a expressividade dos verbos utilizados na frase: “Reclama o simples direito de ter um mar, um céu que, sem temor, embale Timor”.
2.4. Relacione os dois últimos nomes sublinhados na frase anterior, quanto ao nível gráfico e de conteúdo.
2.5. Retire do excerto expressões relativas às atitudes de Xanana Gusmão para conseguir, através de “um simples verso”, refazer “o Universo”.
2.6. Comente a expressividade do título do excerto.
[1] Vietnamita que teve papel preponderante na guerra entre o Vietname do Norte e o do Sul (1954-75), tendo-se tornado líder espiritual do actual regime político do Vietname do Norte (estado comunista).
OH! LIBERDADE!
Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo
de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor
Se eu pudesse
pelos tórridos sóis
cavalgar embevecido
de encontro a mim mesmo
nas serenas planícies do capim
e sentir o cheiro de animais
bebendo das nascentes
que murmurariam no ar
lendas de Timor
Se eu pudesse
pelas tardes de calma
sentir o cansaço
da natureza sensual
espreguiçando-se no seu suor
e ouvir contar as canseiras
sob os risos
das crianças nuas e descalças
de todo o Timor
Se eu pudesse
ao entardecer das ondas
caminhar pela areia
entregue a mim mesmo
no enlevo molhado da brisa
e tocar a imensidão do mar
num sopro da alma
que permita meditar o futuro
da ilha de Timor
Se eu pudesse
ao cantar dos grilos
falar para a lua
pelas janelas da noite
e contar-lhe romances do povo
a união inviolável dos corpos
para criar filhos
e ensinar-lhes a crescer e a amar
a Pátria Timor!
Cipinang, 8-10-1995
3. A arte consegue encontrar diferentes formas de expressão para se manifestar.
3.1. Estabeleça pontos de contacto entre o quadro e o poema “Oh! Liberdade!”.
3.2. Justifique o primeiro verso das estrofes em função do título do poema.
4. O poema “Oh! Liberdade!”está construído segundo uma progressão lógica associada às fases do dia.
4.1. Evidencie essa progressão, apoiando-se em expressões textuais.
4.2. Relacione cada fase do dia com os verbos utilizados em cada uma das estrofes.
4.3. Demonstre como a progressão textual acompanha a intencionalidade do sujeito poético.
4.4. Interprete a expressividade da pontuação forte presente no poema.
4.5. Demonstre a utilização de recursos estilísticos que evidenciem funcionalidade significativa para a construção da mensagem.
3.1. Estabeleça pontos de contacto entre o quadro e o poema “Oh! Liberdade!”.
3.2. Justifique o primeiro verso das estrofes em função do título do poema.
4. O poema “Oh! Liberdade!”está construído segundo uma progressão lógica associada às fases do dia.
4.1. Evidencie essa progressão, apoiando-se em expressões textuais.
4.2. Relacione cada fase do dia com os verbos utilizados em cada uma das estrofes.
4.3. Demonstre como a progressão textual acompanha a intencionalidade do sujeito poético.
4.4. Interprete a expressividade da pontuação forte presente no poema.
4.5. Demonstre a utilização de recursos estilísticos que evidenciem funcionalidade significativa para a construção da mensagem.
5. O poema "Pátria" tornou-se um verdadeiro hino da causa timorense:
PÁTRIA
Pátria é, pois, o sol que deu o ser
Drama, poema, tempo e o espaço,
Das gerações, que passam, forte laço
E as verdades que estamos a viver.
Pátria.., é sepultura... é sofrer
De quem marca, co’a vida, um novo passo.
Ao povo — uma Pátria— é, num traço
simples… Independência até morrer!
Do trabalho o berço, paz, tormento,
Pátria é a vida, orgulho, a aliança
Da alegria, do amor, do sentimento.
Pátria… é tradições, passado e herança!
O som da bala é... Pátria, de momento!
Pátria… é do futuro a esperança!
Drama, poema, tempo e o espaço,
Das gerações, que passam, forte laço
E as verdades que estamos a viver.
Pátria.., é sepultura... é sofrer
De quem marca, co’a vida, um novo passo.
Ao povo — uma Pátria— é, num traço
simples… Independência até morrer!
Do trabalho o berço, paz, tormento,
Pátria é a vida, orgulho, a aliança
Da alegria, do amor, do sentimento.
Pátria… é tradições, passado e herança!
O som da bala é... Pátria, de momento!
Pátria… é do futuro a esperança!
5.1. Interprete o conceito de «Pátria» assumido no poema.
5.2. Explique o sentido do verso «O som da bata é... Pátria, de momento!» (v. 13)
5.3. Relacione os versos «Pátria… é sepultura... é sofrer / […] Independência até morrer! / […] Pátria… é do futuro a esperança!» (vv. 5, 8 e 14) com os acontecimentos da História de Timor Lorosae.
5.4. Exponha aos seus colegas o seu conceito de «Pátria». Discuta, então, o que é ser patriota. Sintetize os consensos alcançados.
5.2. Explique o sentido do verso «O som da bata é... Pátria, de momento!» (v. 13)
5.3. Relacione os versos «Pátria… é sepultura... é sofrer / […] Independência até morrer! / […] Pátria… é do futuro a esperança!» (vv. 5, 8 e 14) com os acontecimentos da História de Timor Lorosae.
5.4. Exponha aos seus colegas o seu conceito de «Pátria». Discuta, então, o que é ser patriota. Sintetize os consensos alcançados.
GERAÇÕES Nomes sem rosto corações esfaqueados de lembranças nas lágrimas de crianças chorando pelos pais... Mais do que a morte que os fez calar em cada gota de lágrima a cena cruel ...uma mãe que gemia sem forças seu corpo desenhava marcas da angústia esgotada Os farrapos que a cobriam Rasgados no ruído da sua própria carne sob o selvático escárnio dos soldados indonésios em cima dela, um por um Já inerte, o corpo da mulher se tornou cadáver insensível à justiça do punhal que a libertara da vida enquanto... golpes de coronhadas se repercutiam nas gotas de lágrimas que iam caindo da mesma face das crianças | Um pai se ofendera no último não da sua vida a mulher violada assassinada sob os seus olhos O cheiro da pólvora vinha de muitos furos daquele corpo que já não era corpo estendido sem forma de morte e... As lágrimas secaram nas lembranças das crianças veio o suor da luta porque as crianças cresceram Quando os jovens seios estremecem sob o choque eléctrico e as vaginas queimadas com pontas de cigarro quando testículos de jovens estremecem sob o choque eléctrico e os seus corpos rasgados com lâminas eles lembram-se, eles lembram-se sempre: A luta continuará sem tréguas! |
AVÔ CROCODILO Diz a lenda
e eu acredito!
O sol na pontinha do mar
abriu os olhos
e espraiou os seus raios
e traçou uma rota
Do fundo do mar
um crocodilo pensou buscar o seu destino
e veio por aquele rasgo de luz
Cansado, deixou-se estirar
no tempo
e suas crostas se transformaram
em cadeias de montanhas
onde as pessoas nasceram
e onde as pessoas morreram
Avô crocodilo
– diz a lenda
e eu acredito!
é Timor!
http://lusofonia.com.sapo.pt