12.2.12

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   PEPETELA

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VIDA E OBRA DE PEPETELA

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, que assina sempre como Pepetela (Pestana, em umbundo), nasceu em Benguela, em 29 de Outubro de 1941. […]
Em 1958, foi estudar para Lisboa, passando a intervir na CEI [Casa dos Estudantes do Império], colaborando nas suas publicações. 
Com a luta armada de libertação nacional (1961), um ano depois (1962), seguiu para o exílio em França, acabando finalmente por ficar mais um tempo na Argélia, que, entretanto, acedera à independência, precisamente através de uma guerra de libertação nacional. Aí formou-se em Sociologia e, no Centro de Estudos Angolanos que os nacionalistas haviam instituído, dedicou-se a escrever, com Costa Andrade e Henrique Abranches, para o MPLA, uma História de Angola, numa perspectiva resumida e revolucionária.
No final dos anos 60 (1968-69), foi integrado, como Secretário Permanente de Educação, na Frente de Cabinda da guerrilha. Em 1972, passou para a Frente Leste. Em 1973, era Secretário Permanente do Departamento de Educação e Cultura. Em 1974, fez parte da primeira delegação do MPLA em Luanda. Em 1975, tomou-se director do Departamento de Orientação Política e, logo depois, integrou o Estado Maior da Frente Centro. Entre 1975 e 1982, foi o vice-ministro da Educação. De então para cá, deixou de desempenhar cargos políticos e é docente da Universidade de Angola (Sociologia), além de ter pertencido à Comissão Directiva da União dos Escritores Angolanos (UEA). […]
Antes de mais, note-se que é um escritor que produziu a sua obra, até à independência, na situação sócio-histórica de diáspora e guerrilha, ou seja, na mais pura liberdade de expressão, ao contrário de homens como Luandino Vieira, que estava preso, ou Arnaldo Santos, que, sendo funcionário público, vivia e publicava com as limitações da situação de ghetto, na Luanda dos anos 1960 e começos de 1970. [Entre vários prémios, recebeu em 1996 o Prémio Camões, o maior galardão literário dedicado à Literatura em Língua Portuguesa, e em 2007 o Prémio Internacional da Associación de Escritores en Lingua Galega (AELG) que o designou Escritor Galego Universal”,galardón que naceu para significar aqueles autores e autoras cuxa obra e personalidade conteñan un alto contido ético e estético que os/as convirtan nun referente para o seu pobo na defensa da dignidade nacional e humana”. 
Pepetela é o primeiro escritor de língua portuguesa e também o primeiro africano a receber tal distinção.
Vejamos as obras:
Muana Puó - Romance escrito em 1969 e publicado em 1978.
Mayombe - Romance escrito entre 1970 e 1971 e publicado em 1980.
As Aventuras de Ngunga - Romance escrito e publicado em 1973.
A Corda – Teatro político, peça escrita em 1976 e publicada em 1978.
A Revolta da Casa dos Ídolos – Teatro histórico, peça escrita em 1978 e publicada em 1979.
O Cão e os Calus – Novela picaresca escrita entre 1978 e 1982 e publicada em 1985.
Yaka - Romance escrito em 1983 e publicado em 1984 no Brasil e em 1985 em Portugal e em Angola.
Lueji, o Nascimento de um Império - Romance realista animista escrito entre 1985 e 1988 e publicado em 1989.
Luandando - Crônicas sobre a cidade de Luanda escritas e publicadas em 1990.
A Geração da Utopia – Publicado em 1992, este romance escrito em quatro partes, que se passam em períodos de dez anos. Uma primeira parte em 1961 com o início da luta armada. Uma segunda parte em 1972, escrita na Frente Leste e sobre a guerrilha. O Polvo é a terceira parte, passa-se nos anos 80 e a última parte e passa-se nos anos 1991-92, já depois dos acordos de Bicesse.
O Desejo de Kianda - Romance escrito em 1994 e publicado em 1995.
A Gloriosa Família, o Tempo dos Flamingos - Romance publicado em 1997.
A Parábola do Cágado Velho - Romance. Começou a ser escrito em 1990 e foi publicado em 1997.
A Montanha da Água Lilás, fábula para todas as idades - Romance publicado em 2000.
Jaime Bunda, o agente secreto - Romance policial publicado em 2002.
Jaime Bunda e a Morte do Americano - Romance policial publicado em 2003.
Predadores - Romance publicado em 2005
 
Os dois primeiros livros demoraram a ser publicados. O caso mais notório é o seu primeiro romance, Mayombe, sobre a guerrilha na floresta do mesmo nome, ao norte de Angola, na região da Frente de Cabinda, que apenas com a intervenção do Presidente Agostinho Neto (um dirigente e poeta que não gostava do realismo socialista) conseguiu autorização para sair do prelo. É um romance em que a personagem principal, um líder guerrilheiro, o Comandante Sem Medo, qual Ogun ou Prometeu africano, leva por diante o seu trabalho no meio de grandes e compreensíveis dificuldades, agravadas pela corrupção interna, o tribalismo, o racismo, o oportunismo e outros males universais, duvidando seriamente do triunfo da revolução em armas, acabando por morrer. Pepetela atrevia-se assim a questionar a construção de imagens de heróis monolíticos, aplicando à ficção a fecundidade da dúvida sistemática, como quando insinua, através de Sem Medo, que o poder da guerrilha de libertação nacional já transporta cm si o ovo da serpente do poder que, após o triunfo, dominará o povo que ajudou a libertar.
As aventuras de Ngunga é duplamente um romance de aprendizagem, um Bildungsroman, pois a personagem central, Ngunga, um rapazinho, um pioneiro, militante infantil, cresce integrado na luta de libertação nacional, aprendendo a vida, vivendo a política mas o romance foi escrito também com a intenção de servir de livro de texto na alfabetização dos intervenientes e apoiantes da guerrilha, tendo a primeira edição corrido mimeografada. 
O primeiro livro escrito após a independência partilha, com tantos outros, a exaltação do momento, a missão ideológica e a apologia do poder triunfante. Na curta peça A corda, encena-se a aversão ao espantalho do imperialismo norte-americano, representado por um cidadão gordo, fumando grosso charuto, com ar de yankee hollywoodesco, loiro, olho azul, etc., apresentado como estereótipo do mal e bombo da festa
Livro importantíssimo para a interpretação do pensamento crítico de Pepetela no tocante à política do seu país é A revolta da Casa dos Ídolos […]. Num breve resumo, podemos dizer que Pepetela encena um episódio relativo à História de Angola do tempo da primeira colonização (séc. XVI), para aludir subrepticiamente à época em que vive. Assim, a peça trata de uma revolta popular contra os padres portugueses e os seus aliados Manicongos (chefes do Reino do Congo) que resolveram proibir o culto animista dos fetiches (os «ídolos»), guardando-os numa casa, afinal um pretexto para a contestação do poder dos dirigentes do Reino. Um jovem ex-Mani, agora ao lado do povo, dirige a revolta, que falha, sendo morto. 
A peça foi escrita em 1979, dois anos depois da falhada tentativa de golpe de Estado de Nito Alves. um ex-chefe guerrilheiro célebre que, após a independência, ganhou um grande apoio popular nos musseques de Luanda, sobretudo entre a juventude. e pretendia o saneamento do aparelho de Estado e do MPLA para levar a revolução popular ao poder, quando se estava em guerra contra vários inimigos. Abortado o golpe, como na peça, sucederam-se as perseguições, prisões e execuções sumárias, como publicitou Felícia Cabrita, num artigo no semanário Expresso (Lisboa, 25-01-1992), resultando num banho de sangue que teve a conivência das altas instâncias do Partido e do Governo, incluindo o Presidente. Calculam-se entre 20 e 30 mil mortos, em grande parte em valas comuns. Muitos dos apoiantes de Nito Alves eram quadros jovens, trotskistas, maoístas, anarquistas e de outras correntes não toleradas ou muito mal vistas pelo novo poder hegemónico. A peça de Pepetela pode ser entendida como uma parábola sobre esse sangrento 27 de Maio de 1977 que abalou e traumatizou a sociedade angolana. 
Pode perguntar-se porque é que o escritor — que, como vimos, já tinha antecedentes de dúvidas heterodoxas, em Mayombe — não abandonou o poder, uma vez que era vice-ministro da Educação. Por isso, é legítimo questionar se ele pode desempenhar o papel de reserva moral da Nação ou de advogado do diabo sem nunca ter seguido o caminho do exílio. Por outro lado, sair de Angola seria dar trunfos a movimentos que, como a UNITA, eram apoiados, nesses anos, pela África do Sul e os Estados Unidos, para, a qualquer preço material e humano, desalojarem o MPLA do governo. Ele mantinha uma reserva crítica, distanciando-se do poder, mas não se transferia de campo político, salvaguardando uma profunda ética e coerência de escritor crítico e todavia solidário. Além disso, segundo outra óptica, o chamado fraccionismo de Nito Alves desagradou, de facto, à sociedade dirigente e possidente de Angola, pondo em perigo a coesão nacional e a própria independência, ao fazer parcialmente, mas de modo objectivo, o jogo da UNITA, África do Sul e Zaire, nessa época interessados na total desarticulação do país. 
Continuando a viver e a escrever em Luanda, Pepetela voltou a um livro (Yaka) justificativo da legitimidade do poder negro como componente fundamental da angolanidade.
O sentido do romance aponta para uma crítica decisiva aos brancos de Benguela e suas concepções ideológicas e políticas, comportamento, ambições, que os tornam broncos e gananciosos. Certas figuras de brancos (Acácio, Joel, Alexandre, Chucha) são tratadas com desvelo, mas acaba por sobressair o peso do mundo negro (revoltas, vitórias, heróis, Yaka, mártires como Morna, etc.). Todavia, já no final do romance, o revolucionário da família, Joel, interpreta o significado do sorriso irónico da estátua e torna-se na encarnação viva daquilo por que Alexandre ansiara subconscientemente durante toda a vida. Podemos interpretar tal episódio como a justificação de um lugar para os brancos na nova sociedade angolana: a favor da independência, com o MPLA.
A partir do próprio título, o mundo negro detém um capital simbólico de poder ancestral, histórico e cultural. O mundo branco, embora predominando em boa parte da narração e do espaço físico e social, não consegue compreender, dominar por inteiro ou aceitar esse mundo negro.
Yaka oferece a possibilidade de servir como ilustração da época decisiva da colonização portuguesa em Angola. Permite, por isso, imaginar ficcionalmente os sobressaltos experimentados pelos colonos face à presença obsidiante do mundo negro e suas revoltas. Embora sendo um romance fértil em episódios, referências e alusões históricas e étnicas, que pode chegar a confundir um leitor desprevenido, é inegável o valor didáctico que apresenta. Saliente-se que, para uma visão ficcional mais alargada e multímoda da colonização no sul de Angola, convirá sempre tomar em linha de conta a projectada pentalogia de Leonel Cosme, cuja acção decorre fundamentalmente na Huíla, de que saíram três volumes: A revolta (1963; 2ª ed. rev. e aumentada, 1983); A terra da promissão (1988) e A hora final (1992).
O cão e os calus aparece como divertida crónica de humor, em que se incorpora a tensão da busca, pelo pastor alemão, da mirífica imagem da perfeição, por entre um rol de imperfeições. A edição portuguesa chamou-se, para melhor compreensão, O cão e os caluandas (os caluandas são os habitantes da Ilha de Luanda, os primordiais, que deram nome aos da cidade). O picaresco do pastor alemão que perambula por Luanda à procura da toninha ou da sereia (apelo da utopia), estacionando onde mais lhe apraz, para logo desarvorar em busca de novo dono e da solução para o seu instinto de busca, serve para criticar a sociedade da capital, paradigmática da sociedade angolana, vivendo de expedientes e malandragens, abusos politiqueiros e oportunismos carreiristas, especulando e corrompendo. 
Em Lueji, Pepetela retomou a lenda de Ilunga e Lueji na Terra da Amizade, localizada na Lunda e contando a história da sua fundação, que foi beber ao livro em que Henrique de Carvalho relata a expedição, nos anos 80 do séc. XIX, ao Muatiânvua, depois retomada por Castro Soromenho num dos seus longos contos de aproveitamento de lendas e histórias fundadoras. Esse fundo histórico e lendário serve de contraponto e de húmus para a personagem da actualidade, dessa relação entre o passado e o presente emergindo a explicação de atitudes e sentidos. 
No romance A geração da utopia defrontamo-nos com o balanço da geração da CEI e da guerrilha, que fizeram a revolução, para se concluir que, independência à parte, os sonhos ficaram pelo caminho, de momento irrealizáveis — momento esse parecendo não ter fim. É o romance amargurado da distância entre a esperança de uma sociedade e um homem novos e a realidade da guerra, da morte e da miséria. (Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.144-147 e 159, adaptado)
O Desejo da Kianda será um livro datado como o Cão e os Calús. E é uma obra de desmoronamento. Desmoronamento físico da cidade, onde os próprios prédios vão desaparecendo, e o desmoronamento moral, a corrupção, a forma como as pessoas vão sendo devoradas pelo processo. A força do "fim", do perder de valores tanto das sociedades tradicionais como da sociedade urbana. Pepetela reflecte sobre o desaparecer da solidariedade, da incorruptibilidade, a que leva o descalabro social, e esta mensagem é tão grande que a obra sugere mais o explodir do desencanto interior do que uma intenção crítica. "Eu tenho esperança nas pessoas. Nos sistemas não, mas nas pessoas sim. As pessoas são solidárias...É o que resta no fim. Eu acho que a obra aponta ainda um caminho a seguir, apela a uma nova revolução, embora agora em termos diferentes." - Pepetela. 


  Em A Parábola do Cágado Velho Pepetela volta a um caminho que se anuncia em Muana Puó e que é o percurso de dialogar com os velhos mitos angolanos. É novamente um trabalho muito ligado às tradições angolanas. Outra analogia que podemos encontrar é o facto de voltarmos a ter, nesta obra, uma estória de amor num cenário de luta, o cenário angolano depois das eleições de 1992 com o eclodir da guerra, é a marca que o autor transporta nesta obra embora o livro não se refira nunca a uma época específica. Nesta obra temos a guerra em Angola vista pelos olhos do camponês. O livro traz-nos todas as culturas misturadas, sem qualquer preocupação de enquadramento histórico ou geográfico. A obra faz muito recurso a partes das culturas africanas. Todas misturadas."Está tudo subvertido naquele livro, até a geografia...de propósito. É um microcosmo que representa o país." - feito por Pepetela este retrato de Angola, talvez na intenção de retratar uma identidade e de frisar que as misturas culturais angolanas não se fazem só nas regiões urbanas. A Parábola do Cágado Velho : uma estória, como um grande rio onde outras estórias se misturam e se resolvem. 

 
 Em A Montanha da Água Lilás, fábula para todas as idades, o escritor angolano Pepetela conta a estória de uns seres cor laranja, os Lupis, que pensavam, falavam e trabalhavam como os homens. Mas “não são homens, porque se chamavam Lupis”. Certo dia, os lupis descobrem uma fonte de um misterioso líquido, cujo perfume é inebriante - a água lilás. E deixaram de viver em perfeita harmonia... Este livro, não é apenas uma fábula para todas as idades, tal como o subtítulo parece indicar, é um retrato (in)temporal da sociedade humana, e da crescente desigualdade social. http://literaturaemanalise.blogspot.com/2006_02_01_archive.html
 Ao publicar Jaime Bunda, agente secreto em 2001, Pepetela realizou um sonho de infância: escrever um romance policial. Este desejo é resgatado por este texto, o primeiro, aliás, nesta modalidade na literatura angolana. Nele, a trama ficcional constrói-se em torno do detective Jaime Bunda, negro lerdo e de abundantes carnes que somadas ao seu desempenho medíocre em jogos de vólei da infância lhe valeram o singular apelido. A personagem, no entanto, devoradora de novelas policiais, aceita-o como sobrenome por acreditar-se, assim, mais próxima de James Bond, o agente secreto britânico, paradigma de excelência em espionagem e na sedução feminina. A necessidade de aproximação a este ícone da literatura e da cinematografia detectivesca faz com que Bunda não hesite tampouco, tal como o herói britânico, em apresentar-se como Bunda, Jaime Bunda .
O sucesso do romance e o surgimento de muitos outros dilemas dignos de investigação na sociedade angolana levaram Pepetela a, em 2003, lançar Jaime Bunda e a morte do americano. Neste romance, o agente secreto dos SIG Serviços de Investigação Geral, a polícia das polícias, desloca-se de Luanda, capital do país, uma “Manhattan hiperbolizada” para a provinciana Benguela, a cidade das acácias rubras, a fim de elucidar o possível assassinato de um cidadão norte-americano. Homicídios são, portanto, os elementos desencadeadores das duas narrativas, visto que em Jaime Bunda, Agente Secreto, a morte de uma jovem de catorze anos de idade é o ponto inicial de uma investigação que toma contornos insondáveis, revelando crimes de maior gravidade  em Angola. No segundo romance, Jaime Bunda e a morte do americano, Pepetela retoma um tema conhecido no país: o assassinato, nos anos 50, de um engenheiro português em circunstâncias idênticas às enunciadas no romance. A estratégia ficcional de resgatar um evento ocorrido meio século atrás faz valer a quase epígrafe usada por este autor no romance A Geração da utopia de que “só os ciclos são eternos” e, por isso, fatos do passado são recorrentes e podem servir de reflexão e questionamento aos enigmas do presente. […]
Nas duas narrativas, Jaime Bunda tenta ávida e obtusamente usar o conhecimento oriundo da ficção policialesca no quotidiano de seu trabalho numa das muitas repartições da máquina estatal angolana. Pensa ainda poder empregar ali a mesma lógica que crê existir nas personagens dos romances de sua predilecção, o que constitui motivo de riso e de escárnio de seus companheiros de equipa e, em segunda instância, do narrador e do próprio leitor. […] (Robson Lacerda Dutra, “Detectives, crimes e enigmas: a questão social sob lentes de aumento da investigação policial”, VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Coimbra, Universidade de Coimbra, 2004, http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel46/RobsonDutra.pdf)
 Predadores – Podemos inventar um passado, um pai e até um ideal para subir na vida? Sim, principalmente se essa vida se passar em Angola na pós Guerra Colonial. Pepetela regressa com um retrato mordaz dos últimos 30 anos em Angola, a seguir ao fim da Guerra Colonial, através da ascensão e queda do empresário Vladimiro Caposso. Rapaz modesto do Calulo, o filho de enfermeiro que tratava a tropa portuguesa, depressa descobre que sobreviver em Luanda em muito depende do MPLA e, por isso, muda o seu nome de José para o mais revolucionário Vladimiro. É a partir daí que começa a escalar os degraus da política e da finança. Dos anos 1970 e da loja aberta no feriado da Independência para poder servir o Povo ao novo milénio do campo de golfe onde rouba a água do rio aos pastores e agricultores, Vladimiro Caposso e a sua família empreendem em Predadores uma viagem ao longo das três décadas de transformação. Onde o oportunismo e a esperança se entremeiam na evolução de Angola até aos dias de hoje.  

 
A Montanha da Água Lilás
Fábula para todas as idades
  
Em A Montanha da água lilás: fábula para todas as idades Pepetela narra mais um dos muitos giros que a história dá. O narrador conta-nos uma das muitas estórias que seu avô lhe contava à volta da fogueira que dizia que, em determinado local, existiu um povo chamado "lupis". Tinham na pele o traço da diferença dos outros povos por serem cor de abóbora e eram divididos entre lupis, pequenos e ágeis, e lupões, maiores em estatura mas sem a agilidade e disposição dos menores, apesar de extremamente eficazes nas operações matemáticas.
Com o passar do tempo deu-se, por razões desconhecidas, o surgimento de uma nova categoria de lupis, os jacalupis, que tinham este nome por serem bem maiores, lerdos e extremamente irritáveis. Lupis, lupões e jacalupis tentavam conviver pacificamente, apesar das dificuldades trazidas pelas suas diferenças. Certo dia, descobriu-se uma fonte de água diferente. Sua cor era lilás, seu perfume inebriante. Os lupis cientistas começaram a pesquisar seus efeitos e descobriram ser excelente cicatrizante e amaciador da pele e dos pelos. A notícia da água lilás espalhou-se pela floresta e todos quiseram ter acesso a esta nova maravilha que brotou repentinamente do solo. O comércio da água lilás não custou a aparecer e cabaças e mais cabaças dela era vendida aos animais. Dadas as habilidades dos lupis, estes passaram a ser responsáveis directos por encher os recipientes de água e levarem-nos ao pé da montanha para o escambo com os demais animais. Lupões e jacalupis, por serem maiores e menos dispostos ao trabalho, ficaram responsáveis por receber o pagamento da água mágica e a inventar novas formas de trocas. Ao cabo de algum tempo os lupis não aguentavam mais o peso do trabalho, enquanto os demais membros de sua sociedade vestiam flores, se adornavam com ossos e se abanavam com folhas que lhes eram vendidos como o mais moderno e sofisticado da floresta.
Neste processo apenas os lupi poeta e o pensador reagiram contra o comercialismo e o distanciamento que o comércio da água lilás trouxe à montanha. Seu posicionamento fez com que fossem condenados ao exílio, não podendo mais banhar-se na piscina construída para armazenamento da água lilás, nem tampouco descer das árvores onde ainda moravam.
Um dia a fonte da água lilás subitamente secou. Todos cavaram, esburacaram a montanha mas nenhuma gota verteu da terra. Lupis, lupões e jacalupis, endividados pelos gastos feitos por conta da venda da água, viram-se escravizados por aqueles a quem haviam vendido a água antecipadamente. Uma tarde, o lupi poeta e o pensador, únicos moradores que restaram no alto da montanha, desceram ao chão e sentiram, debaixo de uma outra pedra, o cheiro agradável da água lilás.
— Olha, ali em baixo cheira muito a água lilás. Deve haver.
O lupi-pensador concordou com a cabeça. Lupilou:
— Também já notei. Não lhe mexas. Nunca. Deixa-a estar aí em baixo. A nós basta vir aqui de vez em quando cheirar este perfume delicioso, lupi-lupi-lupi.
— Tens razão, é melhor que ela durma aí em baixo, lupi-lupi-lupi. É cedo de mais para a fazer sair.
E continuaram a lupilar, todos contentes, com a alegria que dá aspirar o perfume da água lilás. Sons que acariciavam os fetos e as flores da nossa montanha, talvez aqui perto de nós, hoje.
O lupi-pensador olhou a primeira carraça que se desenvolvia no braço esquerdo, com pena de a tirar. Disse:
— Lupi-poeta, tens que contar tudo isso que passou. Para que os lupis não se esqueçam dos seus erros.
O lupi-poeta fez então muitos poemas. Contavam a estória dos lupis e da água lilás. Também da desgraça que se abateu sobre eles e o seu destino. 
Foram talvez esses poemas que chegaram ao conhecimento dos avós dos nossos avós, quando eles compreendiam a linguagem dos lupis. E nos contaram à noite, na fogueira, para transmitirmos às gerações vindouras.
A pergunta que usamos para terminar é a mesma que Pepetela usa em sua narrativa: Aprenderão eles com a estória?  (M. A. Robson Lacerda Dutra, “Memória e história: a questão do poder entre colonizadores e colonizados- o eterno retorno do mito”, Revista Eletrónica do Instituto de Humanidades, vol.I, nº2, Junho-Agosto de 2002, Universidade Unigranrio, 
A presente obra é uma belíssima alegoria alusiva aos Povos de África ou a qualquer parte do globo cujos recursos naturais se tornem imprescindíveis para a espécie humana.
Utilizando uma linguagem simples e, simultaneamente, poética, o Autor consegue fazer entender a um público tão vasto quanto possível, o processo social que leva à diferenciação de classes e, simultaneamente, a estruturação de uma economia assim como a instituição de um sistema político dentro de um dado território que comporte uma ou mais etnias.
A estória é contada no português dos PALOP utilizando o léxico e a semântica tipicamente angolanos. O Autor introduz, também, algum vocabulário da sua própria autoria – neologismos. Apesar disto, o leitor, após um período inicial de desorientação, passa facilmente a deduzir o significado deste léxico, para nós exótico, integrando-o facilmente no contexto.
Dedicado a Lueji, a filha do Autor, A Montanha da Água Lilás é um conto narrado por um ancião à luz da fogueira, em plena noite africana, cuja magia tem como objectivo deslumbrar um público sem idade.
Trata-se de um conto que nos poderia ter sido trazido de qualquer parte de África, ou até do Oriente, onde, segundo a lenda, também existe água lilás. Esta água perfumada é um produto extraordinário, vital para a humanidade, cujas propriedades têm a faculdade de eliminar todo o tipo de parasitas que infestem a pele dos lupis (habitantes da Montanha da Água Lilás) e também o humor dos seres vivos em geral.
Utilizando a água lilás como riqueza natural, que se torna necessária a todos os seres vivos, o Autor faz-nos entender o processo de estratificação social entre os lupis, a formação das profissões e a constituição dos diferentes tipos sociais que permitem que uma sociedade funcione como um todo, isto é, como um sistema social.
Da mesma forma, o Autor consegue, ao utilizar um discurso de uma candura que torna imediata a apreensão do significado de coisas extremamente complexas, mostrar-nos de que forma a água lilás consegue transformar uma economia fechada, numa economia de mercado e despoletar o aparecimento de uma sociedade de consumo.
A água lilás acaba também por ser o catalizador que leva a uma desigual distribuição da riqueza e a uma total inversão de toda uma escala de valores, possibilitada pelo desenvolvimento da economia e do contacto com outras culturas. É através desta preciosa matéria-prima que – inicialmente benéfica, mas que depois de transformada pelo (mau) uso da ciência e da tecnologia, sem ter em vista o bem comum, se torna nociva – nos é dado a conhecer o processo social que leva à elaboração de armas químicas e biológicas, com o objectivo de destruir os grupos rivais, desenvolvendo a corrida ao armamento. A água lilás torna-se assim, a longo prazo, a semente do ódio, da cobiça, da inveja e da ambição desmedida.
No meio de tudo isto, assiste-se, como é habitual na sociedade de consumo, à marginalização dos visionários – na pele de figuras tipo como o Pensador e o Poeta – que são os representantes do Idealismo. Ou seja, dos seres incómodos, que rapidamente identificam as complicações advindas de uma exploração comercial desenfreada e da má utilização da água lilás. Por outro lado, dá-se a ascensão fulgurante dos parasitas como os jacalupis, ou o triunfo dos medíocres. E assiste-se, paralelamente, ao sucesso do ávido comerciante, do sôfrego armazenista e de espécimens escorregadios e oportunistas como o diplomata e o advogado. Todos eles o retrato fiel daquilo que é a estrutura normal da sociedade.
Pepetela oferece-nos uma deliciosa metáfora social ao dotar o texto de uma sonoridade e de um ritmo tropical que lhe conferem um estilo com um encanto singular.
Mais ainda, o livro está povoado de lindíssimas ilustrações que contém em si o essencial de cada capítulo ajudando o leitor a decifrar a estória e a visualizar os lupis, lupões e jacalupis.
Uma obra deliciosa e um conto irresistível pela pureza com que é narrado. A mestria do Autor é evidenciada na transparência cristalina com que é tratado um tema tão complexo.
Por que o perfume da água lilás devolve-nos a capacidade de entender a realidade da mesma forma que as crianças: simplificando-a.
Um texto que mostra a beleza das coisas simples e a forma como a superficialidade da maior parte dos desejos onde, frequentemente, se confunde opulência com bem-estar. A realidade sem máscaras. Colocando o dedo na ferida. (Cláudia de Sousa Dias, blogue Há sempre um livro...à nossa espera!, Famalicão, 2006, http://hasempreumlivro.blogspot.com/2006/03/montanha-da-gua-lils-de-pepetela-dom.html 
Em A Montanha da água lilás, uma "fábula para todas as idades", é tecida, também de modo alegórico, uma lição: a de que Angola não pode deixar secar a "água lilás", fonte e metáfora de suas tradições e poesia: O Lupi-poeta fez então muitos poemas. Contavam a estória dos lupis e da água lilás. Também da desgraça que se abateu sobre eles e o seu destino. Foram talvez esses poemas que chegaram ao conhecimento dos avós dos nossos avós, quando eles compreendiam a linguagem dos lupis. E nos contaram à noite, na fogueira, para transmitirmos às gerações vindouras. Aprenderão elas com a estória?

A pergunta fica no ar, o livro termina em aberto. A resposta, entretanto, pode ser depreendida das entrelinhas do texto: soa como um ensinamento fabular para as novas gerações angolanas, que só aprenderão com essa estória, se souberem preservar o fluir lilás da liberdade e o respeito pela palavra, pela vida e pelo ser humano. (http://www.uea-angola.org/artigo.cfm?ID=188) 

Perguntar o Mundo, perceber de uma forma simbólica os diferentes momentos em que as sociedades se alteram aportando novas regras sociais, valores e normas; a forma como as sociedades gerem os seus recursos naturais e a forma como a sua utilização comporta para cada sociedade novas aquisições; a apropriação dos ganhos pelos diferentes grupos sociais; a forma como o trabalho, e os ganhos que dele advêm, são distribuídos; como cada um de nós se altera quando as sociedades se alteram; como lidamos com os processos da dissonância... e um infindável ror de questões estão levantadas nesta fábula. (http://www.ctalmada.pt/cgi-bin/wnp_db_dynamic_record.pl?dn=db_festivais&sn=festival_2005_pn&rn=9&pv=yes)
 
 
WEBGRAFIA COMPLEMENTAR:
 ANIMATEATRO, encenação de A montanha da água lilás, http://www.youtube.com/watch?v=kq96XTn0rpU
BROSE, Elizabeth Robin Zenkner, A máscara de múltiplas faces – narrativas de Pepetela, Porto Alegre, Universidade Pontifícia, Janeiro de 2005. Disponível em:  http://www.lusitanistasail.net/tese_beth_brose.pdf
DUTRA, Robson Lacerda, “Vidas lusófonas: Pepetela” in http://www.vidaslusofonas.pt/pepetela.htm
EMBAIXADA de Angola em Portugal, Dicionário de Autores Angolanos, http://www.embaixadadeangola.org/cultura/literatura/autores.html
OLIVEIRA, Isaura de, “Pepetela e o nacionalismo angolano: do sonho à desconstrução da utopia”, IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada. Disponível em: http://www.eventos.uevora.pt/comparada/VolumeI/PEPETELA E O NACIONALISMO ANGOLANO.pdf
PEIXOTO, Carolina Barros Tavares (2006) Geração da utopia: um projeto de formação da identidade nacional angolana e suas metamorfoses. Colección Monografías, Nº 38. Caracas: Programa Cultura, Comunicación y Transformaciones Sociales, CIPOST, FaCES, Universidad Central de Venezuela. Disponível em: http://www.globalcult.org.ve/monografias.htm