ANGOLA Como acontece com os outros países, a literatura de Angola também não nasce por método espontâneo. Vários são os antecedentes e os precursores que influenciam sobremaneira o carácter social, cultural e estético da literatura e da poesia, em particular. E não podemos nunca descurar, como factor de grande influência, a tradição da oralidade em África, quanto a mim, um dos antecedentes de maior responsabilidade. O peso da oralidade exerce-se em muita da obra poética africana, conferindo-lhe uma grande carga de "espiritualismo telúrico". Podemos considerar a história da poesia de Angola em duas fases, sendo a primeira a da escrita colonial, e a segunda a da poesia moderna e nacional, que se inicia com a publicação da revista Mensagem , em 1951. Mensagem marca, assim, o início da poesia moderna de Angola. Nesta revista participa uma plêiade de escritores que serão os responsáveis pela construção da literatura do novo país, nascido em 1975. No primeiro número de Mensagem colaboram, entre outros, Mário António, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Alda Lara, António Jacinto e Mário Pinto de Andrade. A publicação da revista , no dizer de Ana Mafalda Leite, "foi o resultado concreto da ambição desta nova geração de intelectuais de Angola de amplificar o movimento cultural iniciado nos anos 40 por Viriato da Cruz." A produção poética angolana abrange três grandes períodos: de 1950 a 1970; o período de inovações - a década de 70; e a geração de 80. Vejamos, em resumo, o que se passa em tais espaços de tempo. As duas décadas de 1950 a 1970, marcam a fase da viragem para a consciencialização da problemática angolana, sobretudo em três grandes vertentes - a terra, a gente, e as suas origens. A temática dos escritores da Mensagem gira à volta de tópicos que vão caracterizar a poética que existe até aos nossos dias: a valorização do homem negro africano e da sua cultura a sua capacidade de auto-determinação, a nação africana que se antevê como estado com autoridade e existência próprias. Muita da poesia é uma poesia de protesto anti-colonial, sem deixar de ser humanista e social. Agostinho Neto, Viriato Cruz e Mário António concentram muito da sua produção nesta temática. O protesto anti-colonial toma uma feição muito mais directa e acutilante com a publicação da revista Certeza, em 1957. Esta revista, que se publica até 1961, revelou a existência de novos poetas, entre eles António Cardoso e Costa Andrade. Para além da contestação contra o colonialismo, desenvolve-se progressivamente uma temática que tem a ver com a evocação e a invocação da "mãe-pátria", da "terra grande" de África. Quase todos estes poetas tratam os temas da identidade , da fraternidade, da terra de Angola pátria de todos, negros, brancos e mestiços; de grande importância é também o tópico da alienação ( sobretudo a que respeita ao estado de espírito do branco nascido e criado em Angola). Muita da poesia é também de carácter intimista, como é o caso da de Mário António. Toda esta geração, utilizando recursos líricos e dramáticos, consegue criar uma poesia de fundo e cariz emocional. Através da poesia, descobre-se Angola, as suas origens , as suas tradições e mitos. A poesia adquire uma intencionalidade pedagógica e didáctica: com ela tenta-se recriar África e Angola, os valores ancestrais do homem africano e da sua terra, bem como ensinar esse mesmo homem a descobrir-se como individualidade. Esta poesia põe em prática a reposição da tradição oral, onde as próprias línguas nacionais ocupam um espaço importante. É, numa palavra, a poesia da "angolanidade". O autor que representa melhor toda esta problemática é, sem dúvida, Agostinho Neto. A sua obra principal, Sagrada Esperança, é uma amostra valiosa não só da poesia de combate e contestação (sem ser panfletária, no entanto) mas também da poesia lírica e intimista, frequentemente modulada por uma religiosidade profunda. Agostinho Neto revela um grande humanismo, em que são evidentes o amor profundo pela vida e o conhecimento do sofrer humano, que amiúde obriga o poeta a utilização de um realismo feroz nos seus versos. Leia-se , como exemplos poemas "Velho Negro" e "Civilização Ocidental". Se dizemos que há poemas intimistas, tal não significa que o poeta se isole de habitat social e perde a referência fundamental da sua poesia. É constante a relação estabelecida por Neto entre o "eu" poético e o "outro"; um "eu" que é povoado pela humanidade e colocado no contexto da vida do seu povo. Veja-se ,por exemplo, o poema "Confiança" e o poema intitulado "Não me peças sorrisos", que, a meu ver, é um dos melhores poemas de Agostinho Neto. Como o próprio título sugere, é evidente que a esperança é o tópico raiz e motor desta poesia. A esperança é o núcleo à volta do qual se constroem unidades poéticas de ralação dialéctica, como sejam a dor e o optimismo, o sonho do poeta e o despertar do povo, a escravidão e a fé de transcender a opressão. Não podemos falar de sentimentalismo nesta poesia, mas sim de realismo poético. Eu chamaria atenção para o bom exemplo que é o poema "O choro de África". Neste poema o poeta fala do "sintoma de África", que é uma combinatória dialéctica do sofrimento e da alegria que temperam, durante séculos, o homem africano, cujo destino é "criar amor com os olhos secos". Como resultado desta temática, o estilo de Agostinho Neto revela grande contenção de forma, onde não há lugar para floreados poéticos e apelos fáceis à emoção, pese embora o seu cunho profundamente religioso. Na década de 70 surgem três nomes que vão ser os principais responsáveis por uma mudança profunda na estética e na temática: David Mestre, Ruy Duarte de Carvalho e Arlindo Barbeitos. Por um lado, procura-se maior rigor literário; por outro, e como consequência do anterior, evita-se propositadamente o panfletarismo.. Entra-se também numa fase de maior experimentalismo . Estes autores tentam também reconciliar os temas políticos do passado com a procura de uma linguagem poética mais universal.Por exemplo, Ruy Duarte de Carvalho é autor de uma poesia que, ao lado de uma grande ambiência de oralidade e de um apontar para as consequências da guerra constitui também uma reflexão sobre o próprio discurso poético. É, no entanto, Arlindo Barbeitos a voz poética que melhor assume a viragem e a ruptura com a tradição da Mensagem. Arlindo Barbeitos tem ,até o momento, dois livros publicados: Angola Angolê Angolema (1976) e Nzoji (1979). Numa nota de introdução a Angola Angolê Angolema, Barbeitos traça as linhas mestras de sua poética. Assim, a sua poesia tenta ser uma reconciliação do homem com a sua condição; é um testemunho e um instrumento de libertação. A poesia tem como função primordial sugerir; ela é um compromisso entre a palavra e o silêncio. A outra função é a de relatar as formas culturais africanas e a vivência do autor. Arlindo Barbeitos afirma, a propósito, que "só é poesia se sugere, só tem expressão, só tem força, só é arte em forma de palavra, se simultaneamente retém e transcende a palavra". Sobre as características da sua poesia, devemos dizer que ela é religiosa na medida em que nela se relata a experiência do ser humano que procura sempre a perfeição; por outro lado, há sempre o desejo de retorno à imanência, e a vontade de construir a irmandade universal. É, também, uma poesia que reflecte a dor, a guerra , a situação colonial. Em relação à língua, Arlindo Barbeitos tenta, e consegue, africanizar a língua colonial, numa tentativa continuada de repossuir todos os valores e tradições culturais do país. A partir dos anos 80, surge uma nova geração de escritores cujo ecletismo é a característica mais marcante. Digna de nota é uma pequena antologia publicada em 1988, e intitulada no Caminho Doloroso das Coisas. Na introdução, o organizador da antologia deixa perceber o rumo de uma certa descontinuidade que a nova poesia angolana vai tomando: "São jovens, mas dentre eles há poetas que são artistas nos seus versos como carpinteiros nas tábuas. Tiveram que por (sic) verso sobre verso como quem constrói um muro. Analisaram se estava bem e tiraram sempre que não estivesse, sentados na esteira do Pessoa, [...] Jovens subscritores de uma auto-explicação metalinguística em que a ruptura formal não é tudo." (Fonte: Revista CRONOCÓPIOS) |