10.12.11

JORGE BARBOSA - Características essenciais


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África





CABO VERDE

Todos sabemos que há um conjunto de factores de ordem geo-política, económica e social que levou a que Cabo Verde, desde muito cedo, ficasse praticamente entregue a si próprio em termos de homogeneização racial e cultural. (TERRITORIALIDADE INSULAR )

O impacto do colonialismo não é tão drástico, impulsivo e dramático como nas outras regiões. Embora reconhecendo o risco de tal afirmação, diria que Portugal, como potência colonizadora, e com todas as expectativas do regime, acabou por criar algumas condições necessárias para o aparecimento da literatura cabo-verdiana. Desde muito cedo que a terra, bem como os centros de controle e administração, passam para as mãos do grupo de uma burguesia nascida em Cabo Verde, formada maioritariamente por mestiços.

Entre 1920 e 1930 já existe uma elite muito consciente dos problemas que afectam as ilhas. Esta gente está sobretudo concentrada em S. Nicolau, Santo Antão e São Vicente, e muitos são comerciantes, professores estudantes e jornalistas que estão em contacto com as correntes e movimentos literários de Portugal, como o modernismo e o neo-realismo. Mas é sobretudo o modernismo brasileiro que influencia esta geração que se familiariza com Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, e poetas como Jorge Lima, Ribeiro Couto , Manuel Bandeira, e os sociólogos como Gilberto Freyre. A partir, sobretudo, dessa altura os escritores de Cabo Verde começam a tomar uma consciência cada vez mais nítida da realidade das ilhas, a romper com os modelos de tipo europeu. A atenção é focada cada vez mais na terra, no ambiente sócio-económico e no povo das ilhas.

O grande passo para a viragem total de temática da literatura produzida em Cabo Verde é dado , em 1936, por um grupo de intelectuais que lança a revista Claridade. O grupo, que para a história literária passou a ser conhecido por claridosos, integra, para além de outros, Baltazar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa.
As linhas mestras dos movimentos dos claridosos estão praticamente condensadas na obra daquele que também é o seu maior responsável- Jorge Barbosa. 
A preocupação fundamental da sua poesia é revelar as situações com que diariamente se defronta o cabo-verdiano: a fome, a miséria, a falta de esperança no dia de amanhã, as secas e os seus efeitos devastadores. Os grandes tópicos são o lugar, o ambiente sócio-económico e o povo; e todos em relação constante com o mar.O mar é o elemento provocador do aparecimento de outras duas realidades soberbamente tratadas na poética barbosiana : a viagem e o sonho de encontrar uma terra prometida.

A ilha, o mar, a viagem e o sonho são os signos de maior densidade na poesia de Jorge Barbosa. Toda essa temática se distribui pelas suas três obras: 
Arquipélago (1935), 
Ambiente (1941) e  
Caderno de um Ilhéu (1956).

Mas, quanto a mim, é em Ambiente que Jorge Barbosa se define como poeta inovador, que dá à sua poesia uma tonalidade dramática nova, trazida "pela intimidade, a denúncia, a epopeia do homem ilhéu vivendo no drama de partir e ficar".

Não resisto à tentação de citar aqui um poema que, quanto a mim, é revelador da dualidade em que Jorge Barbosa coloca os referentes de quase todos os seus poemas. Há sempre um "eu" em constante tensão com um ambiente exterior. Repare-se no poema 
Prisão
Pobre do que ficou na cadeia
de olhar resignado,
a ver das grades quem passa na rua!

pobre de mim que fiquei detido também
na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
...as grades também da minha prisão!

Este poema é paradigmático quando se procura organizar uma amostragem comparativa da poesia de Cabo Verde.É que toda poesia dos claridosos, se por um lado rompeu com os diques das normas temáticas do colonialismo, não se terá libertado completamente de um certo miserabilismo herdado do neo-realismo português. Esta poesia é toda ela virada para o homem caboverdiano e o mundo que o rodeia; no entanto não aponta grandes soluções.
É pois, uma poesia de descrição, profundamente lírica, intimista , mais ainda falha de coragem para apontar outra solução ao homem caboverdiano que não seja a evasão do mundo que lhe pertence. É por isso que os calaridosos, e Jorge Barbosa, evidentemente, são frequentemente criticados pelo carácter "evasionista" e "escapista da sua poesia.
A geração da Claridade lançou os alicerces da nova poesia que depois é continuada pelos escritores pelos escritores que colaboram em outras duas publicações, a Certeza (1944) e o Suplemento Cultural (1958). Nas duas revistas colaboraram poetas como António Nunes, Aguinaldo Fonseca , Gabriel Mariano, Onésimo Silveira (um dos primeiros a utilizar o crioulo de parceria com o português, no seu livro Hora Grande, 1962) e Ovídio Martins, que combate abertamente o evasionismo dos claridosos. Apesar de tudo a geração da Claridade influenciou, e continua a influenciar, grande parte da produção poética e ficcionista de Cabo Verde.
O salto qualitativo e a ruptura com a influência dos claridosos devem-se a dois escritores que chegaram a participar na revista Claridade. Estou a referir-me a João Varela (aliás João Vário, aliás Timótio Tio Tiofe) que publicou em 1975, O primeiro livro de Notcha, e Corsino Fortes, autor de dois importantes trabalhos poéticos, Pão & Fonema (1975) e Árvore & Tambor (1985). É sobretudo Corsino Fortes que provoca o maior desvio de conteúdo temático e formal. O livro Pão & Fonema deixa perceber a intenção do autor em reescrever a história do povo em termos de epopeia. O livro abre com uma Proposição que constitui, por si só, uma demarcação da poesia de tipo estático dos claridosos. 
Repare-se na primeira estrofe:
Ano a ano_____ crânio a crânio
Rostos contornam
_____ o olho da ilha
com poços de pedra
_____ abertos_____ no olho da cabra
Esta cadência ritmada do esforço humano marca o compasso da epopeia que se pretende escrever, intenção que o autor condensa na epígrafe da autoria de Pablo Neruda:Aqui nadie se queda inmóvel./Mi pueblo es movimiento ./mi pátria es um camino. O poema desenrola-se depois em dois cantos que justificam o título.
Este livro de Corsino Fortes é, quanto a mim, o desenvolvimento e expansão de uma metáfora que se inicia com o título. O povo tomou conta da sua terra (o Pão) e do seu destino (a fala que dá nome às coisas, que indica posse). A utilização do crioulo em muitos poemas é intencional, uma vez que fala, anterior à escrita,é o grande sinal da liberdade que se tornou patrimônio, tal como a terra. Daqui o subtítulo do canto primeiro- Tchon de Pove Tchon de Pedra; Daqui também os subtítulos de outros dois cantos- Mar & Matrimónio e Pão & Matrimónio.
É evidente que toda problemática de raiz caboverdiana está presente na obra de Corsino Fortes. Ao contrário dos claridosos, a nova poesia é uma expressão artística cuja formulação sugere, reflecte e intervém na dinâmica do real. A grande diferença no entanto, reside no facto de que este autor, para além de criar uma nova dinâmica de ralações entre o sujeito e o objecto poético, colocar toda a problemática caboverdiana num contexto muito mais vasto que é o da África. Cabo Verde, com sua especificidade, que é o isolamento de arquipélago, participa na viagem de construção da África de rosto e corpo renovado:

Dos seios da ilha ao corpo da África
O mar é ventre
E umbigo maduro
E o arquipélago cresce.

cronopios.com.
http://www.spigamidju.com/revista-claridade.jpg
A revista Claridade foi um marco da cabo-verdianidade entre 1936 e 37, quando são lançados três números da publicação. Sem programa definido, a ideia do veículo (fundado por Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes) era se afastar das directrizes portuguesas e exprimir a voz colectiva do povo cabo-verdiano. Claridade iniciava-se com um testemunho vivo do respeito pelos valores cabo-verdianos, privilegiando a língua crioula, que durante anos de colonialismo foi objecto de repressão. Era assim um desafio à autoridade.

O ideário dos participantes do projecto era o de promover uma renovação com foco nos temas culturais e sociais, na defesa das raízes mais profundas do povo.

Segundo Manuel Lopes, renovar não é criar nova alma, mas procurar reencontrá-la em meio a lugares-comuns que a inércia estratificou e adaptá-las às condições de vida de seu tempo. Arrancar a alma viva do acervo de experiências cristalizadas - eis o que Claridade tentou.

Fonte: Laranjeira, Pires (1995). As literaturas africanas de língua portuguesa. Universidade Aberta, Lisboa.

CLARIDOSOS




As linhas mestras dos movimentos dos “claridosos” estão praticamente condensadas na obra de Jorge Barbosa.